Poesias

 alavanca

em um ambiente controlado
branco antiséptico
esterilizado
uma mulher arrancou meu dente

enquanto ela puxava

depois de três agulhas
anestésicas
e enquanto eu escutava
os sons do dente resistindo

eu pensei na resistência

arrancar dentes
arrancar unhas
infeccionar a mente
quanta gente

fez possível uma poeta

me comoveu a extração
do meu dente molar
e agora quando sorrio um buraco é política 

                                              Jarid Arraes

    
 




de qual lado você luta?

Não é de hoje que calam meu grito, abalam meus instintos
ambos pela dor
por te nos olhos esse brilho, essa herança bem quista dos genes de meu bisavô
não é só pela preta cotista, a casa própria da diarista
ou qualquer outra conquista dos que fazem parte da história de uma terra que
você usurpou!
É ver o espaço ocupado, a mulher preta, pobre no doutorado,
retomando seu legado, sem dizer: Sim senhor.

Nos querem supérfluas, apáticas – sem senso crítico
nos moldam em estéticas, inépcias, estratégia sádica orquestrada por cínicos
eu rejeito seus dogmas e mantenho a perspicácia no meu raciocínio
e ainda observo bem atenta os que compactuam com a tua lógica ilícita de
extermínio.

Senhores em seus altares, disputando egos maiores
supremos, palácios, planaltos, para que possam se sentir superiores,
influentes na arte da intolerância, não sei como se cria
tanta mente ambiciosa, tolhendo anciã sabedoria.

Nos oferecem uma mídia abastada, interesseira e interessada
apenas na morte, mas não em quem mata.
Como será que um corpo suporta, tanta violência inescrupulosa?
Como é possível dormir com as vozes em minha cabeça de tantas irmãs mortas?
Nossas almas pedem por socorro e ninguém nota!

E eu só peço a Oyá que me guia:
mantenha-me longe dos senhores fardados do mato e sua milícia!

Me diz, o que te assusta?
A farda, a gravata ou a luta?
Perceba que nessa disputa,
conheço teu caráter
pelos heróis que cultua!

                                                 Mel Duarte

Mel Duarte


Filha da Mãe Terra

eu sou a filha que não deu certo
a filha mulher que não estudou,

mas a vivencia do mundo ensinou

a filha que gritou e foi pra cima dos problemas 

sem medo e enfrentou

a filha que foi acorrentada e se ibertou
a filha que nasceu sem beleza física,

mas muitas flores plantou 

a filha que não teve inteligência,

porém o mundo ensinou

a filha preta, rebelde

que amassou o pão do diabo

e fez ele engolir a seco

a filha que defendeu a família

e os propósitos no fio da navalha,

a filha que correu os quatro cantos 

atrás da verdade

a filha que se tatuou 

para mostrar os seus objetivos na pele

a filha que dançou sem música 

a filha que a comunidade escorraçou

eu sou a filha da Mãe Terra

que enfrentou calada cada preconceito 

que a sociedade hipócrita impôs

eu sou, eu fui, eu serei

a filha da verdade 

nua e crua 

que o enganador tenta reprimir 

grito porquê tenho voz,

mas quando calarem minha voz, escreverei 

e no dia que podarem os meus livros

ainda continuarei

raciocinando.  


Mih Chilena 



Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Que sete anos!
Não chegava nem a cinco!
De repente umas vozes na rua
me gritaram Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“Por acaso sou negra?” – me disse
SIM!
“Que coisa é ser negra?”
Negra!
E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus lábios grossos
e mirei apenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi . . .
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava levando nas minhas costas
minha pesada carga
E como pesava!…
Alisei o cabelo,
Passei pó na cara,
e entre minhas entranhas sempre ressoava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Até que um dia que retrocedia , retrocedia e que ia cair
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
E daí?
E daí?
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles,
que por evitar – segundo eles –
que por evitar-nos algum disabor
Chamam aos negros de gente de cor
E de que cor!
NEGRA
E como soa lindo!
NEGRO
E que ritmo tem!
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro
Afinal
Afinal compreendi
AFINAL
Já não retrocedo
AFINAL
E avanço segura
AFINAL
Avanço e espero
AFINAL
E bendigo aos céus porque quis Deus
que negro azeviche fosse minha cor
E já compreendi
AFINAL
Já tenho a chave!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!


Victoria Santa Cruz


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